É uma surpresa para a literatura brasileira, sobretudo pela qualidade lírica dos seus textos. O que constitui uma surpresa maior ainda: lirismo é uma tendência literária que tende a desaparecer completamente, sobretudo num País em que se confunde lirismo com romantismo. Mas Sidney já definiu os seus caminhos literários e sabe como realizar a obra. Este é o diferencial deste autor: encontrar seus temas e sua linguagem logo nas primeiras obras, o que não é comum entre os mais novos. Quase sempre o escritor encontra seu universo ao longo da carreira, até mesmo com a intervenção dos críticos que vão, pouco a pouco, idealizando a ficção do escritor, antes mesmo que ele o defina. Por isso, o romancista Autran Dourado costumava advertir que o jovem escritor não deve nem pode se transformar em personagem da crítica. Assim: os livros iniciais são elogiados, exaltados, premiados, e o autor, até por causa da imaturidade, acha que alcançou os melhores resultados e passa a repetir temas e linguagens. Não evolui, não avança; antes de conquistar o seu verdadeiro caminho, já está esgotado. Está claro que Sidney Nicéas não corre esse risco, por tudo o que já foi dito. O leitor encontra aqui uma obra pronta, definida, que pode ou não sofrer alterações ao longo da carreira, mas com uma mensagem já resolvida para ser interpretada e amada.
Raimundo Carrero - Escritor
A primeira manhã que nunca fui também não existiu. Pálpebras fingidas a simular ausência. Torpor. Ela mergulhou tão em si que retornar não parecia ser mais possibilidade. O verde agora era somente mato... Não havia sol que a refletisse. Não havia rumo que a conduzisse. Não havia vida que burlasse o gosto amargo do sêmen que teimava em queimar sua pele, seu sexo, sua alma. Ainda estava lá sozinha. Mato e morro em mim. Horas de inconsciência. Morte em vida. O resgate só veio após a vergonha. As fardas com sirenes e armas. O hospital. Os depoimentos. Mas ela não estava ali. Eu não mais era. Minha juventude, meu vigor, minha virgindade, minhas peles agora marcadas... Minhas forças. Eu. Nada mais. E fui-me abrupta. No leito, ela mergulhou mesmo em si. Dormir seria agora sua sina. Há sempre uma promessa de sonhos para quem se recolhe...
Com uma narrativa em fragmentos, Sidney Nicéas explora uma técnica peculiar para espelhar em palavras os meandros da mente humana, revelando uma mulher vitimada pela violência e jogada à prisão de si, traduzindo dores e sensações que farão o leitor se identificar com o pandemônio de emoções do mundo moderno. Anoiteça em Clara...
Sidney Nicéas tem sua obra focada nos dilemas humanos, especialmente os que envolvem a vida social, mergulhando sempre na mente e nos universos de personagens que geram identificação com o leitor. Com projetos em outras áreas artísticas, como o cinema e o teatro, o autor se consolidou na literatura, rompendo, inclusive, as fronteiras brasileiras, tornando-se hoje um dos nomes emergentes da literatura nacional. Noite em Clara é seu quinto livro publicado.
Do
que trata o seu Livro? Como surgiu a ideia de escrevê-lo e qual o público que
se destina sua obra?
Noite em Clara - um Romance (e uma Mulher) em Fragmentos é
um drama psicológico de uma jovem que é violentada e mergulha num conflito
emocional e psicológico intenso, donde precisa encontrar saídas para si. O
leitor é levado a enxergar tudo pela mente da personagem, Clara, cuja história
é contada em fragmentos de texto. Um tema forte, mas com uma prosa cheia de
lirismo. Tive duas amigas que foram violentadas e, ao tentar dar vida à uma
personagem que surgiu meio que por acaso (através de alguns experimentos de
escrita que eu vinha desenvolvendo e postando no Facebook, trazendo êxito nos
feed-backs), decidi dar vazão à história e explorar, também, essa temática. É
uma ficção para adultos cheia de tons reais e com um tema ainda bem atual
(nesse caso, infelizmente).
Fale de você e de seus projetos no
mundo das letras. É o primeiro livro de muitos ou apenas o sonho realizado de
plantar uma árvore, ter um filho e escrever um Livro?
Noite em Clara é meu quinto livro. A escrita é a minha
vida, embora eu tenha dado atenção a ela um pouco mais tarde do que deveria.
Sempre tive uma mente criativa e encontrei na Literatura o ambiente ideal.
Todavia, sou inquieto, artisticamente falando. Já escrevi e encenei peça
teatral, já fiz um curta-metragem, assino projetos com poesia e música com
outros artistas, enceno textos meus na divulgação da minha obra... Acredito que
a arte é um dos grandes instrumentos para viver e melhorar as pessoas. E é a
escrita, dentre tudo o que faço, a minha maior parceira.
O que você acha da vida de escritor
em um Brasil com poucos leitores e onde a leitura é pouco valorizada?
Um desafio imenso. Acredito que a leitura é a grande
ferramenta para melhorarmos a nossa nação. Leitores precisam ser formados,
estimulados. E isso desde cedo. Literatura, assim como a leitura, é prazer.
Infelizmente não é assim que ela é introduzida na vida de muitas pessoas no
Brasil. Fui vítima disso na escola. Aos 14 fui OBRIGADO a ler Machado de Assis
para fazer uma prova. Chato para um garoto que adorava futebol, música e
cinema! O resultado foi um afastamento temporário da leitura literária (e eu
poderia ter adorado a experiência se aquele tipo de literatura me fosse
apresentada de maneira mais lúdica, assim como livros infantis me foram na
infância). Ler Machado hoje é um prazer imenso para mim, mas esse prazer só
retornou com o meu desejo pela escrita. Luto pela minha escrita e pela
Literatura e sou daqueles escritores que trabalham. Ministro Workshops sobre
criatividade e escrita e dou palestras, inclusive em escolas particulares.
Busco também painéis em escolas públicas e bibliotecas comunitárias, sem cachê,
para estimular o prazer de ler. O escritor também é responsável por mudar esse
quadro no país.
Como
você ficou sabendo e chegou até a Scortecci Editora?
Foi uma história interessante. Na última Bienal de
Pernambuco, atuei com um estande autoral junto com um amigo colombiano, o
também escritor Carlos Sierra. Lá apareceu João Scortecci, justamente num dia
em que não estávamos (pois fomos fazer uma palestra num congresso
internacional). João foi recebido pela minha sobrinha, Raíssa, contratada para
recepcionar o público (e vender livros, claro! rsrsrs) e ficou bastante
impressionado com o atendimento dela, especialmente pelo conhecimento que ela
detinha das obras expostas. Ele deixou um cartão de visitas e fiz o contato -
afinal, eu já conhecia o trabalho da editora pelo seu nome no mercado. À época
eu estava com o original do novo livro pronto. Após algum tempo a obra foi
aprovada, fechamos contrato e cá estamos nessa parceria intensa. Na maioria das
vezes é preciso buscar uma editora. Nesse caso, foi quase como se ela tivesse
vindo à mim! rsrsrs.
O
seu livro merece ser lido? Por quê? Alguma mensagem especial para seus
leitores?
Ótima
pergunta. Jamais publicarei um livro meu que não me satisfaça enquanto leitor.
E este novo romance possui algumas características interessantes (que abordarei
sem nenhuma cerimônia). Primeiro, o tema extremamente atual. As pessoas
precisam falar sobre a violência sexual (e combatê-la!) e, mais ainda, buscar
compreensão acerca das próprias dores e dramas pessoais, independente de como
surgem (por violência sexual ou por qualquer outra razão). Por isso a leitura,
de alguma maneira, acaba levando o leitor a se confrontar e a reconhecer-se.
Também, literariamente falando, a obra tenta traduzir as dores e sofrimentos
com riqueza poética (apesar de ser em prosa). Acredito, pelo retorno que tenho
recebido, que essa missão foi bem cumprida. Finalmente, pela técnica utilizada.
A narrativa em fragmentos e as camadas de ideias subentendidas na escrita fazem
da obra uma experiência interessante. Pelo menos pra mim foi. E continua sendo!
rsrsrsrs Acredito que Noite em Clara representa um novo rumo na
minha carreira de escritor. E espero que os leitores apreciem todas as suas
nuanças.
Obrigado
pela sua participação.
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